Nunca se falou tanto de saúde mental como nos últimos anos. Celebridades partilham as suas lutas, empresas criam “dias de bem-estar”, e as redes sociais estão repletas de conteúdo sobre autocuidado e desenvolvimento pessoal.
Mas será que toda esta visibilidade se traduz em progresso real? Ou estamos apenas a criar uma ilusão de mudança enquanto os problemas continuam a agravar-se?
Depois de 25 anos como psicólogo clínico e coach, e de acompanhar milhares de pessoas através das nossas 9 clínicas Learn2Be, posso dizer-vos: a resposta não é simples.
Há algo de profundamente contraditório no momento que vivemos.
Por um lado, assistimos a avanços genuínos:
Por outro lado, os números são alarmantes:
Então, o que está a acontecer?
A minha resposta, depois de anos a observar este fenómeno: estamos a confundir visibilidade com progresso real.
Vejo isto diariamente nas consultas. Pessoas que consomem dezenas de posts sobre ansiedade, veem vídeos sobre autocuidado, seguem influencers que falam de saúde mental… mas quando pergunto “E o que tens feito com toda essa informação?”, a resposta é frequentemente: “Nada. Só vi os vídeos.”
Chamo a isto “turismo emocional” – consumir conteúdo sobre saúde mental como se fosse entretenimento, sem nunca dar o passo seguinte: procurar ajuda real, fazer terapia consistente, mudar hábitos de vida.
Como costumo dizer aos meus pacientes: “Saber que tens um problema é 10% do caminho. Os outros 90% é teres a coragem de o enfrentar.”
E aqui chegamos a uma verdade brutal que poucos querem admitir: o acesso à saúde mental depende do dinheiro que tens.
Se tens recursos financeiros:
Se não tens recursos:
E aqui forma-se um ciclo vicioso devastador:
Pobreza → Stress crónico → Problemas de saúde mental → Dificuldade em trabalhar → Mais pobreza → Mais stress
Vejo isto constantemente: pessoas que chegam em crise total, fazem 2-3 sessões, depois desaparecem porque não têm como pagar. Um ano depois, voltam… piores.
A tecnologia é uma faca de dois gumes.
Quando bem usada, é poderosa:
Mas há riscos sérios:
Na Learn2Be, criámos o nosso Plano“Sê o melhor de ti”precisamente com esta consciência: 10 minutos por dia de desenvolvimento pessoal não substitui terapia, mas é uma ferramenta de manutenção e prevenção acessível.
Como digo: “A tecnologia pode levar-te à porta. Mas és tu que tens de entrar e fazer o trabalho.”
Ah, o autocuidado… Este tema tira-me do sério. A verdade inconveniente: fala-se MUITO de autocuidado, pratica-se POUCO.
O problema não é falta de informação. É falta de priorização.
Vivemos numa cultura que valoriza:
Então, estamos a mudar? Sim e não.
Sim: Mais pessoas reconhecem a importância.
Não: A maioria trata autocuidado como luxo, não como necessidade.
Nas minhas mentorias e nos planos Learn2Be, ensino o que chamo de “As 7 Necessidades Básicas para Vida Saudável”:
Não é ‘self-care’ instagramável. É manutenção básica do ser humano.
Como digo aos meus pacientes: “Não podes dar do que não tens. Se o teu copo está vazio, não tens nada para oferecer aos outros.”
Outro paradoxo do nosso tempo.
O lado bom:
O lado negro:
Vejo isto constantemente:
Cliente: “Vi no TikTok que tenho ADHD.”
Eu: “O que te faz pensar isso?”
Cliente: “Porque às vezes não consigo focar.”
Eu: “Isso pode ser mil coisas – ansiedade, cansaço, stress…”
Ou:
Cliente: “Já sei tudo sobre ansiedade, vi muitos vídeos.”
Eu: “Ótimo. E o que tens feito com essa informação?”
Cliente: “… Nada. Só vi os vídeos.”
Vou ser brutalmente honesto: o investimento público em saúde mental não acompanha a urgência do problema.
Em Portugal, a saúde mental recebe menos de 6% do orçamento da saúde. Países como UK e Alemanha investem 10-13%.
O que isto significa na prática:
O que seria preciso:
Porquê não acontece?
A verdade dura: Não é falta de conhecimento ou soluções. É falta de vontade política.
Depois de tudo isto, qual é a resposta? A minha resposta honesta: estamos num momento de tensão entre os dois.
PROGRESSO REAL: ✅ Maior visibilidade
✅ Menos estigma (especialmente em jovens)
✅ Tecnologia a democratizar acesso
✅ Algumas empresas a agir
✅ Mais literacia emocional
RETROCESSO REAL: ❌ Aumento de problemas (ansiedade, depressão, suicídio)
❌ Desigualdade no acesso
❌ SNS em colapso
❌ Investimento insuficiente
❌ Banalização nas redes sociais
❌ Trauma da pandemia não processado
A verdade inconveniente:
Estamos a falar mais mas a agir menos.
Estamos a normalizar mas não a resolver.
Estamos a criar visibilidade mas não a criar acesso.
É como se tivéssemos finalmente admitido que há um incêndio, mas ainda não chamámos bombeiros suficientes… e continuamos a deitar gasolina enquanto falamos de prevenção.
Podemos ir em duas direções:
DIREÇÃO 1 (PROGRESSO REAL):
DIREÇÃO 2 (RETROCESSO DISFARÇADO):
Qual vai ser?
Depende de escolhas coletivas que fazemos AGORA:
Se eu pudesse mudar uma única coisa hoje para melhorar a saúde mental coletiva, seria implementar um sistema de apoio psicológico estruturado nas transições críticas da vida. Deixem-me explicar.
O CICLO VITAL DA FAMÍLIA: AS CRISES QUE TODOS ENFRENTAMOS
Baseado no trabalho dos psiquiatras Daniel Sampaio e Ana Paula Relvas, sabemos que todas as famílias passam por crises normativas – momentos de transição previsíveis e universais que geram stress, desequilíbrio e necessidade de reorganização.
Estas crises não são patológicas. São esperadas. Fazem parte do desenvolvimento natural de qualquer família.
O problema? A maioria das pessoas enfrenta estas crises sozinha, sem apoio adequado, acumulando stress e desenvolvendo problemas de saúde mental que poderiam ser prevenidos.
Segundo a literatura científica, existem 7 momentos críticos pelos quais praticamente todas as pessoas passam:
O desafio: Diferenciar-se da família de origem, construir autonomia emocional e financeira, definir identidade própria.
Sinais de crise: Ansiedade, conflitos familiares intensos, dificuldade em tomar decisões, medo de falhar.
O desafio: Criar uma nova unidade familiar, negociar papéis e regras, integrar duas famílias de origem, construir identidade conjugal.
Sinais de crise: Conflitos sobre expectativas, interferência das famílias, dificuldade em criar intimidade, desilusão.
O desafio: Ajustar o sistema conjugal para incluir os filhos, assumir papéis parentais, reorganizar tempo e intimidade.
Sinais de crise: Exaustão, conflitos conjugais, depressão pós-parto, sensação de perda de identidade, isolamento social.
Esta é, estatisticamente, a maior crise normativa da família.
O desafio: Gerir relação com sistemas externos (escola, amigos), acompanhar desenvolvimento académico e social, equilibrar vida profissional e familiar.
Sinais de crise: Stress parental, conflitos sobre educação, ansiedade de desempenho (pais e filhos), culpa por ausência.
5. ADOLESCÊNCIA DOS FILHOS (12-18 anos)
O desafio: Aumentar flexibilidade, permitir autonomia crescente, gerir conflitos geracionais. Pais enfrentam simultaneamente a crise da meia-idade.
Sinais de crise: Conflitos intensos, rutura de comunicação, ansiedade parental, questionamento de sentido de vida (pais), comportamentos de risco (filhos).
Esta é a segunda maior crise normativa da família.
O desafio: Renegociar sistema conjugal, aceitar mudança de papéis, desenvolver relações adulto-adulto com filhos.
Sinais de crise: Síndrome do ninho vazio, depressão, crise conjugal (casal que já não se reconhece), sensação de vazio e perda de propósito.
O desafio: Aceitar mudança de papéis geracionais, lidar com perda de capacidades, enfrentar morte de cônjuge e amigos, preparar transmissão geracional.
Sinais de crise: Perda de identidade profissional, isolamento social, dependência crescente, luto, medo da morte.
O Estado deveria patrocinar 6-8 sessões de psicoterapia sempre que um cidadão enfrente uma destas crises normativas.
Porquê este modelo e não “terapia gratuita para todos”? PORQUE O INVESTIMENTO PESSOAL É ESSENCIAL PARA A MUDANÇA.
Aprendi isto em 25 anos de prática clínica: quando a pessoa não paga, não se compromete. Quando não se compromete, não há transformação.
O pagamento não é apenas uma transação financeira. É um ato simbólico de investimento em si próprio.
Quando pagas pela tua terapia:
Terapia totalmente gratuita cria, muitas vezes:
MAS – e este é um “mas” fundamental – o preço não pode ser uma barreira intransponível.
Estudos mostram: Cada €1 investido em prevenção poupa €4-7 em tratamento posterior.
Deixa de ser estigma. Passa a ser cuidado de saúde básico.
Imaginem uma sociedade onde:
✅ Jovens adultos recebem apoio na transição para autonomia (menos ansiedade, melhores escolhas)
✅ Casais têm preparação e apoio nos primeiros anos (menos divórcios destrutivos)
✅ Pais de primeira viagem não enfrentam sozinhos a maior crise da família (menos depressão pós-parto, melhores vínculos)
✅ Pais de adolescentes têm ferramentas para gerir conflitos (menos ruturas familiares, menos comportamentos de risco)
✅ Casais no ninho vazio redescobrem-se (menos divórcios tardios, menos depressão)
✅ Idosos têm apoio na reforma e envelhecimento (menos isolamento, melhor qualidade de vida)
Seria uma revolução silenciosa.
Uma geração inteira a crescer com:
Ninguém escolhe ter depressão.
Ninguém escolhe ter trauma.
Ninguém escolhe nascer numa família disfuncional.
Mas todos escolhem (ou não) enfrentar as crises normativas da vida.
E quando enfrentamos com apoio adequado, transformamos crise em crescimento.
Quando enfrentamos sozinhos, transformamos crise em patologia.
A diferença entre os dois?
Muitas vezes, são apenas 6-8 sessões de psicoterapia no momento certo.
Saúde mental não é destino. É caminho.
Não é “estar bem” ou “estar mal”. É estar em processo.
E todos merecemos ter apoio nesse processo – especialmente nos momentos em que a vida nos pede para mudar.
As crises normativas não são falhanços. São oportunidades.
Oportunidades de:
Mas só se tivermos apoio.
Se estás numa destas crises:
Não esperes pela crise total. Procura ajuda agora.
Na Learn2Be, trabalhamos precisamente com estas transições de vida. Ajudamos pessoas a transformar crises em crescimento.
Se és decisor político, empresarial ou social: Pensa nisto: quanto custa NÃO investir em prevenção?
Quanto custa uma geração inteira a acumular trauma?
Quanto custa um sistema de saúde sobrecarregado com crises que podiam ter sido prevenidas?
A qualidade da nossa sociedade mede-se por como cuidamos uns dos outros nos momentos mais vulneráveis.
E todos nós, em algum momento da vida, estamos vulneráveis.
Vamos cuidar uns dos outros.
Não com caridade.
Mas com dignidade, compromisso e investimento real.
Porque saúde mental não é luxo.
É direito básico.
É investir em si próprio não é egoísmo.
É responsabilidade.
Miguel Gonçalves
Fundador e CEO do Learn2be – Psicólogo e Coach de Alta Performance
SOBRE A LEARN2BE
Somos uma rede de 9 clínicas de psicologia e coaching em Portugal, com 30 profissionais especializados e 25 anos de experiência. Trabalhamos com abordagem integrada (mente, corpo, emoção, espírito) e acompanhamos pessoas em todas as fases do ciclo vital.
Contactos:
A nossa missão:
Inspirar e guiar pessoas a manifestarem a sua melhor versão – em cada fase da vida.
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