Na nossa sociedade só tratamos de assuntos importantes quando uma tragédia acontece. Só se discute a importância de limpar as matas e florestas quando há fogos e se perdem vidas, só se fala de violência doméstica quando os números são assombrosos e só se fala de depressão e saúde mental quando os casos são mediáticos. Cabe a cada um de nós mudar esta realidade.
Enquanto continuarmos a desvalorizar a depressão e a doença mental, enquanto continuarmos a avaliar a felicidade e o bem-estar através das fotografias que temos nas redes sociais, não só não evoluiremos enquanto sociedade, como nunca seremos capazes de nos ajudar a nós ou aos outros. Nunca me fez tanto sentido a ideia de nos regermos por uma atitude de não julgamento e do erro que é acharmos que somos donos da verdade só pelo que vemos. Nunca devemos tomar por garantido que sabemos o que o outro sente, pensar por o que está a passar.
Em Portugal, a depressão e os transtornos ansiosos têm aumentado de forma significativa nos últimos anos, sendo acompanhado pelo aumento do consumo de medicação anti-depressiva e ansiolítica.
Em alguns casos, esta medicação é necessária, contudo, deve haver sempre a possibilidade de acompanhamento em psicologia, pois a medicação atua apenas no sintoma e não na causa.
O trabalho psicoterapêutico é central para o tratamento destas psicopatologias, que têm na sua génese crenças, pensamentos e emoções que se perpetuam e alimentam comportamentos e padrões disfuncionais. Centra a terapêutica na medicação, faz com que muitas vezes se perca a oportunidade de sentir e pensar sobre a nossa vida, sobre os nossos pensamentos, sobre os nossos objetivos e sonhos. Adormecer a dor e os sintomas, adormece também a nossa mente.
Quantas vezes já ouvimos ou dissemos a alguém que está triste ou ansioso, “isso vai passar” ou “tem calma, respira fundo”? O nosso “querer ajudar” é muitas vezes um reafirmar da dor e do problema. Queremos normalizar a situação, mas o que fazemos é desvalorizá-la e criar no outro a sensação de que é errado ou inaceitável que se sinta triste ou ansioso.
É muito importante, principalmente no contexto deste ano de 2020, estarmos conscientes das nossas emoções, das nossas fragilidades, dos nossos receios e medos.
Nem por um momento devemos desvalorizá-los, culpar-nos da sua existência ou tentar contorná-los.
Sermos mais gentis e cuidadosos connosco é o primeiro passo para o nosso bem-estar, e socialmente temos o dever de desmistificar ideias como “só os malucos vão ao psicólogo”, “a medicação torna-nos seres sem emoções”, “precisar de medicação é uma fraqueza”.
A saúde mental é um bem tão precioso quanto desvalorizado. E a saúde mental não passa apenas pela inexistência de uma psicopatologia. É muito mais do que isso: é sentirmo-nos bem com as nossas escolhas, é sentirmo-nos amados nas nossas relações, é sentirmo-nos confiantes e motivados nas nossas profissões, é resolver e aceitar situações do passado, é mudar hábitos e comportamentos que sabemos serem negativos, é procurar a nossa felicidade dentro de nós.
Todos temos direito a cuidar da nossa saúde, a saber identificar sinais e sintomas e a ter a possibilidade de falar com um profissional que nos possa ajudar, de forma tão natural como quando marcamos uma consulta quando sentimos uma dor física.
Sente-se cansad@. Com falta de energia?
Sente pouco entusiamo nas tarefas do dia-a-dia?
Sente-se ansios@ e preocupad@?
Os seus padrões de sono e/ou alimentação têm sofrido alterações?
Sente que as emoções estão a flor da pele, e que isso tem consequências na relação com os outros?
Sente-se feliz?
Sente que quer dar um novo rumo à sua vida?
Estas são apenas algumas questões que nos permitem olhar para dentro, perceber quais as nossas necessidades e de que forma as dinâmicas do dia-a-dia afetam a nossa saúde mental. Nunca foi tão importante estarmos conectados connosco mesmos. Com tantos estímulos, afazeres e rotinas, esquecemo-nos das nossas necessidades, intenções, vontades e sentimentos. Esta avaliação, mesmo que dolorosa, só pode ser feita fazer por nós. Pensar sobre o nosso bem-estar psicológico é tão ou mais importante do que pensar na nossa saúde física, algo que fazemos com muito mais frequência. Está nas mãos de cada um de nós alterar este paradigma.
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