Por mais que o queiramos ignorar, todos nós temos preconceitos face a certas situações, escondidos em algum lugar recôndito, em maior ou menor número. Preconceitos ou, escrito de outra forma, pré-conceitos, podendo o prefixo pré ser visto, nomeadamente, como algo que acontece pré-consciência (o preconceito instala-se sem que disso tenhamos uma consciência plena, sem sabermos com exactidão, se nos fosse perguntado, de onde surgiu aquilo), ou algo pré-conhecido (assumimos determinados pressupostos, isto é, fazemos um pré-julgamento, sem conhecermos ainda o contexto e/ou as pessoas envolvidas).
Do ponto de vista biológico, e tendo em conta a forma como o nosso cérebro está programado para funcionar, podemos perceber que o fazemos (isto de estabelecer pré-conceitos) por necessidade de economia de energia e de recursos cognitivos, sendo um dos objectivos desta poupança de energia a necessidade de dispormos de um conjunto de respostas (pré) preparadas, rapidamente acessíveis, para utilizar sempre que necessário, muitas vezes até como mecanismo de protecção, em certos desafios colocados pelo ambiente à volta.
Tomemos como exemplo o indivíduo que evita deslocar-se por certas ruas ou bairros da sua cidade, onde habitam muitas pessoas de uma raça diferente da sua (não tem conhecimento aprofundado nenhum sobre as pessoas desta raça, mas tão somente aquilo que “ouve” falar, e sobre a qual passa a fazer uma generalização), por recear ser roubado ou atacado – e onde, caso ali se deslocasse, teria de estar com um nível de alerta elevado, preparado para se confrontar com a dita possibilidade de roubo ou ataque (por exemplo, lutando ou fugindo, as tais respostas pré-preparadas).
Alguns destes pré-conceitos instalam-se em nós desde tenra idade, com origem nas mais diversas fontes, como sejam, a educação e transmissão de valores que recebemos dos nossos cuidadores, aquilo que ouvimos os nossos colegas de escola falar, em tom de crítica ou de medo, e ainda o que ouvimos e lemos na televisão, rádio, jornais e demais meios digitais de partilha de conteúdos.
A utilização que fazemos dos pré-conceitos pode tornar-se prejudicial para o estabelecimento saudável de relações (ex.: não me dou com aquela pessoa porque é diferente de mim), ou na busca de informação credível (ex.: já sei tudo o que quero saber sobre determinado assunto, não tenho que procurar mais nada), limitando assim o nosso desenvolvimento pessoal (por efeito das duas anteriores).
Mas, acima de tudo, limita-nos na nossa expressão, na nossa individualidade, na nossa liberdade, quando somos nós o alvo desses pré-conceitos, ou seja, quando somos alvo de discriminação e de tratamento desigual.
Imbuídos de hábitos e crenças pessoais que veem com reserva a diferença (entendida aqui a diferença pela pertença a uma minoria), por vezes com medo ou desconfiança, e até com repulsa ou desdém, surge tantas vezes, na pessoa com orientação LGBTQ+, o receio de se apresentar como tal.
São inúmeros os casos em consulta, de homens e mulheres, que relatam o medo de assumirem a sua orientação, seja em família, junto dos amigos, ou em contexto profissional: Vou ser aceite? As pessoas vão mudar a sua atitude para comigo? Os meus amigos vão continuar a querer estar comigo? A minha família vai deixar de me falar? Vou ser prejudicado no trabalho por causa disto?
Este receio manifesta-se, inclusive, na relação psicoterapêutica, quando, por vezes, a primeira pergunta que a pessoa faz, assim que entra na sala do consultório, tem como objetivo perceber a aceitação e a disponibilidade do terapeuta para abordar este tema.
Daqui resulta, frequentemente, falta de confiança, défice de autoestima, autopunição (chegando, em alguns casos, à agressão sobre si próprio), autocrítica (ex.: sou mulher, tenho um relacionamento amoroso com uma mulher, frequento a igreja, estou a ser má pessoa, estou a ir contra a minha fé, será que posso frequentar a minha igreja? Ou, para isso, tenho de terminar a minha relação; sou rapaz, gosto de rapazes, se eu fosse mais masculino estava tudo bem), humor deprimido e angústia, entre outras manifestações. A pessoa que reprime esta sua faceta (por receio de rejeição da família, dos pares e/ou colegas de trabalho) é a pessoa que se habitua a esconder sentimentos, que não treina uma gestão emocional saudável, que se sente desvalorizada, não compreendida, defeituosa, que faz uma cisão (dissociação) entre aquilo que É e aquilo que mostra aos outros. Tudo isto se repercute, naturalmente, na saúde física e psicológica da pessoa, e no seu bem-estar geral.
A desmistificação dos tabus faz-se pela comunicação, pelo direito de esclarecer e ser esclarecido. Todos nós, seja enquanto profissionais de saúde, pais, educadores, amigos ou colegas, devemos estar atentos aos outros à nossa volta, e procurar promover este nível de comunicação e abertura, nos meios em que nos movemos.
A psicoterapia tem, efetivamente, um papel importante a desempenhar nesta área, apoiando na desconstrução dos pré-conceitos e na normalização do tema, bem como no reforço de competências pessoais. Acrescentando ainda que é tão importante para as pessoas de orientação LGBTQ+, alvo potencial de ideias pré-concebidas, como para os seus familiares e amigos, para benefício das relações interpessoais.
Gonçalo Duque Plaza
Psicólogo Clínico
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