Quantas vezes ao recordar-se de um acontecimento ou de alguém dá consigo a sorrir, a lacrimejar, a sentir alegria e excitação, ou pelo contrário, medo e desconforto?
Algumas não é….
Saiba que isso acontece porque possuímos memória…mas não só! Percebemos através do exemplo que existe uma relação estreita entre memória e emoção. Contextualizando o tema de forma muito abreviada, entenda-se por memória todo um conjunto de informações adquiridas e concretizadas pela experiência constituindo representações.
Tendo em conta a sua funcionalidade e construção, há que distinguir diferentes tipos de memórias. Assim, estruturalmente, de curta duração, possuímos dentro as memórias de curto prazo e/ou imediatas e a memória de trabalho, para tarefas mais cognitivas.
Acedendo a estruturas mais complexas, dentro das memórias de longo prazo, fazem parte as memórias episódicas com referência/detalhe pessoal, as memórias semânticas, informações adquiridas ao longo da vida, e as memórias não declarativas, motoras por exemplo.
“Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.”
Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”
Muito se tem estudados acerca dos fenómenos da memória, tendo os estudos revelado que os estados emocionais têm impacto na memória e que esta memória mais emocional não sofre a mesma deterioração que as outras áreas da memória durante o processo de envelhecimento.
Sugerem ainda, dado curioso, que adultos “mais crescidos” lembram-se melhor dos aspetos emocionais dos eventos do que dos aspetos neutro. Evidencia assim, que com o avançar da idade exista uma mudança que favorece a informação positiva em oposição à informação negativa.
Contrariamente a estes dados, os jovens adultos parecem recordar as emoções negativas com mais intensidade.
A saúde cognitiva desempenha um papel crucial na realização eficiente das tarefas diárias e na qualidade de vida, para além de estar diretamente relacionada ao bem-estar emocional (regulação emocional) que permite lidar de forma mais adaptada com situações geradoras de stress e ter uma perspetiva mais positiva sobre a vida.
As memórias emocionais de relações de vínculo na infância, quando pautadas de significado como segurança, proximidade, sintonia e aprovação, interiorizadas pelo sujeito, demonstram desempenhar um papel fundamental na construção identitária, relações internas e capacidade de gerar sentimentos de bem-estar e ligação aos outros (competências socioemocionais).
Sabe-se, contudo, que memórias de experiências de vergonha podem assumir-se como memórias traumáticas e tornar-se centrais na organização autobiográfica e na construção de uma identidade pessoal na idade adulta. Estas experiências podem surgir assim sob a forma de depressão, ansiedade, fobia social entre outros, efeitos da ausência de regulação emocional na criação dessas memórias.
Não podemos alterar aquilo que nos aconteceu, contudo podemos sempre revisitar essas memórias e decidir escolher o que fazer com elas. A plasticidade emocional, capacidade de treinar conscientemente certas habilidades emocionais, permite aperfeiçoar, promover e até recuperar ou modificar o nosso desempenho e bem-estar atual.
Neste sentido, urge cuidar das nossas memórias! Para tal, será necessário reconhecer, identificar e sem medos, aceitar com compaixão e sem julgamentos o desconforto que as mesmas possam provocar.
Convido-o com genuína curiosidade e sinceridade a observar as memórias que entretêm o panorama da sua mente enquanto lê o que aqui escrevo.
• Que memórias são estas?
• O que dizem sobre mim?
• Que sentimentos/sensações despertam em mim?
Detenha-se um pouco nessa descoberta, sem pressas, apenas observe.
Memórias fortificantes ou memórias mais desconfortáveis, será fundamental perceber o impacto que essas memórias estão a ter no presente, tomando consciência desse efeito.
No momento presente, quero acreditar, vai querer criar boas memórias!
Sugiro nesse sentido, que se concentre em viver experiências novas e diversificadas que despertem estados emocionais. Viva-os de forma plena e posteriormente qualifique essas memórias!
Dou exemplo: vamos imaginar um dia especial em que nos sentimos verdadeiramente felizes e agradecidos por isso. Sim, é muito importante para a nossa saúde mental sentirmo-nos gratos. A gratidão causa emoções e sentimentos positivos. Agradecer ativa o sistema límbico, responsável por regular emoções.
Nesse momento especial, detenha-se nos cheiros, observe as cores, as texturas, fique atento às sensações despertadas em si, seja pelo admirar de uma paisagem idílica ou pelo
apreciar de um momento de confraternização, com sorrisos, gargalhadas, o conforto dos abraços trocados….
Momentos felizes, de paz e harmonia, comunhão, conforto, alegria…Essa memória classificada, isto é, guardada com significado, poderá sempre ser evocada em dias em que a energia e o ânimo não fluem tão livremente. Estas sensações despertam emoções positivas que trazem conforto.
O resgate de memórias pode ser realizado de modo inconsciente ou consciente com recurso a estímulos direcionados por meio de atividades simples (fotografias, vídeos, músicas…) ou intervenções mais clínicas.
Se sente que uma intervenção mais clínica poderia ajudar a lidar melhor com algumas das suas memórias, não hesite em nos contactar. Temos uma vasta equipa de profissionais qualificados ao dispor da sua saúde mental.
Se este artigo foi significativo para si, deixe-me o seu parecer e receba da minha parte gratidão.
Referências Bibliográficas:
Mroczek, D. (2001). Age and Emotion in Adulthood. Current Directions in Psychological Science, 10(3), 87-90.
Mather, M. (2004). Aging and Emotional Memory. In D. Reisberg & P. Hertel, Memory and Emotion (1st ed., pp. 272-295). New York: Oxford University Press, ambos citados por citado por Alves, V., 2019, Universidade do Porto, Portugal.
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