
Fazendo alusão à mitologia grega, que nos mostra a ave (Fénix) que renasce das cinzas, por vezes também uma parte de nós terá de morrer para que outra parte possa ganhar vida e ocupar o lugar.
(Necessidade de se) Reinventar: Uma pesquisa sobre este termo aponta para mudar a maneira como alguém funciona ou se comporta; recriar uma solução para um problema antigo, mas que exige uma nova abordagem.
Resiliência: Uma pesquisa no Google devolve resultados como a capacidade do indivíduo de lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações diversas, tais como choque, stress ou um evento traumático.
Neste período conturbado em que a humanidade se encontra, a braços com momentos especialmente pesados, estas duas palavras – resiliência e (necessidade de se) reinventar –, transformaram-se em conceitos amplamente difundidos, nos mais variados contextos, independentes do género ou da idade, a que todos somos obrigados, de alguma forma, a dar especial atenção. A situação pandémica mostrou-nos, no mínimo, que temos de ser suficientemente flexíveis para aprendermos a redefinir métodos de trabalho, meios de socialização com família e amigos, bem como formas de gestão das nossas rotinas diárias e das pessoas com quem vivemos. Todas estas transformações, feitas frequentemente com alguma “dor”, implicam seguramente o domínio dos conceitos que antes referia: a nossa resiliência é posta à prova a todo o momento (desejamos voltar a uma situação “normal”, mas não sabemos quando tal acontecerá); a necessidade de nos reinventarmos reveste-se de múltiplas facetas (tornar o desconhecido em conhecido).
Contudo, o que gostaria de aqui trazer hoje, relacionado com estes dois conceitos, remete para outros contextos que não o da situação de emergência que atravessamos: a imperiosa necessidade de nos reinventarmos é transversal aos mais diversos contextos.
Aos 36 anos, o Vasco viu-se naquilo que ele classificou de “uma estrada de sentido único, sem volta para trás”: estava há treze anos num trabalho que não lhe fazia sentido e a sua relação amorosa também tinha chegado ao fim, deixando-o numa crise pessoal e profissional tal que o levou, pela primeira vez, a pedir baixa médica: “Naquele momento percebi que tinha de mudar alguma coisa na minha vida; se não o fizesse, não sei se seria capaz de voltar a sair de casa sequer”. O Vasco decidiu voltar à universidade e acabou por mudar, mais tarde, de percurso profissional. Hoje admite: “Há um antes e um depois. É como se um Vasco tivesse morrido, e outro, novo, estivesse aqui agora”.
A Teresa viveu uma relação abusiva durante mais de 10 anos. A cada nova manhã sentia-se paralisada pelo medo, sem saber como se iria comportar o companheiro, mas também de ficar sozinha, caso este decidisse abandoná-la: “Um dia deixei de me reconhecer. Era como se eu estivesse fora de mim, a observar de cima, do alto, a ver um corpo que se movimentava naquela casa e que se sujeitava a toda aquela violência”. A Teresa ainda ficou mais três anos com a mesma pessoa, naquela casa. Presentemente afirma: “Agora percebo, na altura não o conseguia ver, como afinal posso ter uma vida diferente. Aliás, posso ter tantas novas vidas quantas eu quiser”.
O António ficou viúvo aos 68 anos, depois de um casamento de mais de 40 anos: “Os primeiros meses foram para esquecer… Nem sei, quando olho para trás, como resisti. Sentia-me completamente paralisado. O dia inteiro, vazio, à minha frente, era assustador”. Passados quatro anos conheceu uma mulher e acabou por se decidir a ir viver com ela. Foi um longo processo, o que o António fez, para se libertar de sentimentos de medo e de culpa: “Também eu tive de morrer, para nascer de novo, para poder aceitar que, ao estar com outra mulher, não estava a trair a minha mulher de sempre”.
Estas histórias remetem-nos para diversos sentimentos ou estados de espírito, entre os quais encontramos medo, desorientação, confusão e dor. Paradoxalmente, são estes sentimentos, e uma necessidade imperiosa de descoberta e de redefinição, que levaram estas pessoas a ativarem recursos internos e a fazerem mudanças nas suas vidas, “salvando-se” assim a si mesmas.
Medo, desorientação, confusão e dor são, frequentemente, os mensageiros que nos sinalizam que, algures dentro de nós, a mudança já está a acontecer.
Ser resiliente e saber como se reinventar adquirem, aqui, todo o seu significado. Qualquer coisa que valha a pena ser feita terá sempre uma dose de medo associada. Seja mudar de profissão, iniciar ou terminar uma relação, ter um filho, enfrentar a reforma, assumir a realidade de uma orientação sexual, aprender a viver com uma doença crónica, seja o que for, todos os processos de mudança de vida podem destapar medos profundos.
Pode ser importante lembrar-se que este medo tem um lado positivo: é uma forma de se questionar a si próprio se quer realmente a nova vida que aquelas mudanças podem trazer. É também uma forma de o lembrar que desprender-se e fazer o “luto” do passado é um processo absolutamente necessário para que se abram outras portas e para que possa caminhar na direção do seu novo eu.
Lembra-se da Fénix de que falávamos no início? A mitologia associa-a não só ao renascimento, como também à força interior que lhe permitia suportar grandes pesos e, ainda assim, prosseguir.