O telefone tocou.
Atendi.
Fez-se silêncio do lado de lá…
Estou aqui, irá correr pelo melhor.
E agora?
Não sei.
(…)
Ela disse que o silêncio no gabinete era quase sufocante. As palavras do médico pareciam ecoar, mas ao mesmo tempo soavam distantes, como se ele estivesse a falar com outra pessoa. “É cancro.” Ela diz que começou a gritar em silêncio, era como se tudo estivesse a girar. E eu, procurava entender o peso de cada sílaba.
“O diagnóstico de cancro não é apenas uma questão médica; é uma experiência de vida que abala as estruturas emocionais e psicológicas do paciente” (Holland & Holcombe, 2005).
Receber o diagnóstico de cancro é como atravessar uma fronteira invisível. A vida, antes dividida em dias normais e rotinas previsíveis com aventuras pelo caminho, subitamente se parte em duas: o antes e o depois. Quem ouve “é cancro” sente o chão desaparecer debaixo dos pés, enquanto ao redor tudo parece continuar a correr normalmente, como se o mundo não tivesse mudado completamente. Para os familiares e amigos próximos, o impacto não é menor. Estão lá para apoiar, mas muitas vezes sentem-se impotentes, agarrados à necessidade de “ser forte”, tentando controlar o desespero que não pode ser dito em voz alta.
É importante reforçar que essas emoções são normais diante de um diagnóstico tão avassalador. Muitas vezes, os pacientes e seus entes queridos sentem-se pressionados a “ser fortes”, mas o reconhecimento das emoções pode aliviar parte desse peso e trazer alívio.
Ela evitava olhar diretamente para os olhos de quem lhe falava, porque sabia que ali se espelhavam as suas próprias dúvidas. Às vezes, o silêncio era o único refúgio, como se ao não dizer nada, pudesse adiar a realidade. As palavras eram duras demais para serem pronunciadas — cancro, quimioterapia, cirurgias, prognóstico. Não era apenas a doença, era o medo do que vinha depois, de como o corpo e a vida se transformariam. E como explicar isso àqueles que amava?
Facilitar a comunicação honesta e aberta entre o paciente e os familiares/amigos pode ajudar a atenuar a dor de todo o processo. Pois quando a família e amigos conversam abertamente as suas preocupações, medos e necessidades emocionais, sem tentar proteger excessivamente uns aos outros, permite que todos se sintam mais conectados e menos isolados no processo.
Cada sessão de quimioterapia é uma luta entre a esperança e o cansaço.
Havia dias em que ela sentia que venceria, em que imaginava o dia em que os exames voltariam limpos, como se nada tivesse acontecido. E havia dias de puro desespero, em que a exaustão tomava conta de tudo e o corpo se recusava a colaborar.
Nos dias bons, a fé era uma âncora, um fio de luz no meio da tempestade.
Nos dias ruins, era difícil encontrar essa luz, e os pensamentos escuros vinham à tona. As palavras de incentivo dos familiares e amigos muitas vezes não alcançavam esse lugar profundo de solidão e incerteza.
Os efeitos colaterais dos tratamentos começavam a aparecer: a queda do cabelo, o enjoo constante, a fraqueza nos músculos. Cada marca física trazia consigo uma nova camada de dor emocional, e mais uma vez, ela se encontrava no dilema de esconder a verdade. Não queria preocupar os outros. “Estou bem”, repetia, como um mantra que, de tanto ser dito, começava a soar vazio. Quem estava por perto queria acreditar, porque a alternativa era aceitar o medo que todos compartilhavam, mas ninguém ousava expressar.
“As emoções desencadeadas pelo cancro podem ser tão devastadoras como a própria doença; é fundamental abordar estas questões psicológicas para promover um tratamento integral” (Stanton & Snider, 1993). Essas intervenções integrativas, tal como meditação, terapia cognitivo-comportamental, terapia expressiva, apoio psicossocial, técnicas de relaxamento, nutrição de corpo, alma e mente, entre outras, visam promover uma abordagem holística no tratamento do cancro, reconhecendo que as emoções desempenham um papel fundamental na experiência do paciente. Ao cuidar da mente, do corpo e da alma, é possível proporcionar um suporte mais eficaz e abrangente aos pacientes e às suas famílias.
Ela preferia sorrir, ainda que fosse um sorriso frágil, para não revelar o que sentia por dentro.
Esconder a verdade parecia ser um ato de amor, um escudo para os seus familiares e amigos, porque ver a dor nos olhos deles era insuportável. Era como carregar dois pesos: o seu próprio sofrimento e o desejo de proteger os outros desse fardo.
“Muitos pacientes optam por ocultar as suas verdadeiras emoções e medos, acreditando que ao sorrir e manter uma atitude positiva, estão a proteger os seus entes queridos do sofrimento” (Kangas et al., 2002).
O marido, os filhos, os amigos… todos a olhavam com aquela mistura de esperança e medo. Sabiam que deviam estar prontos para qualquer desfecho, mas secretamente acreditavam que o final seria bom. Mesmo nos piores dias, o otimismo se fazia presente, porque ninguém estava preparado para lidar com a outra possibilidade.
E ela, às vezes, em silêncio, perguntava-se: “Quanto tempo mais poderei manter essa fachada?”
“A construção de uma fachada de normalidade pode proporcionar um alívio temporário, mas também pode resultar em um maior isolamento emocional, à medida que o indivíduo luta sozinho com o seu sofrimento” (Badr & Krebs, 2013).
O medo da morte estava sempre à espreita, uma sombra que nunca se dissipava completamente. Mas falar sobre isso era impensável, porque admitir a possibilidade seria abrir um buraco de incerteza no qual todos cairiam.
Com o tempo, veio a aceitação amarga de que talvez o cancro estivesse a vencer. Era um pensamento silencioso, quase proibido. Todos continuavam a lutar com ela, a prometerem que o melhor ainda estava por vir. Mas havia dias em que o corpo não respondia mais, e ela sabia, mais profundamente do que nunca, que algo dentro dela estava a mudar. O fim não era mais uma ameaça distante, mas uma realidade que se aproximava lentamente.
E então veio o momento em que os tratamentos deixaram de ser uma promessa de cura e passaram a ser um alívio para a dor. O foco mudou, da luta pela vida para a busca de paz. O silêncio voltou, desta vez mais suave, mais resignado. Havia um entendimento tácito de que o tempo se estava a esgotar, mas que, no meio da tempestade, ainda havia espaço para amor, para despedidas, para memórias compartilhadas.
No fim, ela partiu em silêncio, tal como havia enfrentado a doença. O cancro venceu, sim, mas não destruiu o amor, a coragem e a dignidade que a acompanhou até ao último momento. Porque, mesmo quando o corpo não resistiu, o espírito nunca cedeu completamente. E quem ficou, levou consigo pedaços dela — as lembranças, os risos, os ensinamentos. Ela partiu, mas deixou atrás de si muito mais do que o cancro jamais poderia tirar.
“O diagnóstico de cancro desencadeia não apenas uma resposta fisiológica, mas também um profundo impacto emocional, levando os pacientes a enfrentarem um processo de luto pela vida que conheciam” (Holland, 2002).
O cancro também atinge a mente, a alma e as emoções. A rotina foi interrompida, e, de repente, todos nos encontramos num novo território, tentando encontrar formas de ajudar e ser fortes uns pelos outros. “A experiência do cancro pode ser descrita como uma viagem não planeada, onde o paciente e a família se veem forçados a navegar por um território desconhecido, repleto de incertezas” (Lepore et al., 2006).
Encontrar equilíbrio entre a mente, o corpo e a alma é fundamental. Enfrentar este tipo de batalha exige mais do que força física: é necessário cuidar da alma, da mente, das emoções e do bem-estar de todos.
– Praticar meditação, respiração profunda ou ioga suave. Isso ajuda a relaxar, aliviar o stress e conectar mente e corpo.
– Aceitar, escutar e partilhar as emoções difíceis, sem julgamento. É normal sentir medo e fraqueza.
– Permitir a exploração de crenças espirituais ou pessoais que possam trazer conforto, seja por meio de oração, meditação ou reflexão.
– Praticar escrita, arte ou música para que o paciente e familiares expressem sentimentos profundos, sem precisar falar diretamente sobre eles.
– Passar algum tempo ao ar livre. Permite sentir a calma da natureza como ferramenta para aliviar a mente e trazer paz interior.
Lidar com o cancro é uma jornada desafiadora, tanto para o paciente como para todos que o rodeiam. Ninguém precisa enfrentar essa estrada sozinho. A ajuda psicológica pode ser uma ferramenta valiosa para encontrar equilíbrio emocional, força interior e esperança nos momentos mais difíceis. Se está a passar por isso, ou alguém que lhe é querido, lembre-se que procurar apoio é um gesto de coragem e um cuidado essencial.
Estarei aqui para oferecer qualquer suporte ou orientação.
E, lembre-se: mesmo nos dias mais escuros, há sempre uma luz. Às vezes, ela vem das mãos que seguramos pelo caminho.
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