
As emoções são a nossa bússola, são elas que orientam o nosso comportamento. Se formos à epistemologia da palavra, emoção tem a sua origem no verbo “emovere”, que significa “pôr em movimento”. As emoções têm por isso um valor adaptativo na nossa vida, estando envolvidas em praticamente todos os processos importantes do curso do desenvolvimento humano, desde a tomada de decisão, à aprendizagem, tendo mesmo um papel fundamental na nossa sobrevivência.
Segundo Ekman (1992) existe um conjunto de emoções primárias que desempenham um papel importante na nossa sobrevivência: a tristeza, o medo, a alegria, a repulsa, a raiva e a surpresa.
Claro que se pensarmos durante um bocadinho sobre as emoções que sentimos com mais frequência, rapidamente nos lembramos de outras, como a culpa, o ciúme, a vergonha, o orgulho etc., e que pertencem ao grupo das emoções secundárias – que resultam do processo de aprendizagem e socialização. Para além desta classificação e distinção entre as emoções primárias e as secundárias, todos fazemos a distinção entre emoções agradáveis e desagradáveis, e se tivermos consciência das nossas emoções, conseguimos identificar as sensações físicas, os pensamentos e comportamentos ligados a cada emoção. Contudo, tendemos a evitar as emoções desagradáveis, não nos permitindo senti-las ou andando constantemente a fugir delas. Pode ser desagradável sentir medo, tristeza, raiva ou vergonha, mas a verdade é que todas as emoções têm o seu papel, e ao ignorá-las estamos a perder imensa informação relevante, que nos permite entender-nos melhor, entender melhor o outro, bem como entender as relações que com eles estabelecemos.
Em sessão, dou por mim a dar muitas vezes este exemplo: quantos de nós já ouviram um adulto dizer a uma criança “não chores, já passou”? Quantos de nós já disseram a um amigo ou familiar “não fiques triste” ou “não vale a pena estares chateado com isso.”? Parece que andamos a evitar que os outros se sintam mal e que tenham uma experiência desagradável, e que o melhor será substituir a emoção desagradável por outra mais agradável. No entanto, nesta tentativa que tem uma intenção positiva por detrás, estamos a cometer dois erros: o primeiro é não validar a emoção do outro, seja ele uma criança ou um adulto. Pensando bem nisto, não é óbvio e adequado que nos sintamos tristes se alguém nos magoa, ou se algo não corre como tínhamos imaginado, ou se perdemos alguma coisa ou alguém?
Sempre que falo neste tema, lembro-me de uma cena do filme de animação da Pixar “Divertidamente” – e que recomendo desde já – que explica todo o funcionamento emocional e a formação da personalidade. Nesta cena, a alegria entra praticamente em colapso, quando se apercebe que a tristeza tocou em memórias originalmente felizes, mudando a sua cor de amarelo (a cor da alegria) para azul (a cor da tristeza). A verdade é que a alegria passava os dias a esforçar-se para criar memórias felizes, fazendo com que as outras emoções tivessem apenas um papel pontual, e que a tristeza em particular, não tivesse mesmo lugar na criação de memórias. Ora, no meio desta confusão, e depois de assistirem a uma memória em particular, a alegria percebe que só apareceu depois de um momento de tristeza, ou seja, foi preciso que a Riley (personagem principal da história, e na cabeça de quem vivem estas emoções) se sentisse triste e chorasse, para depois se sentir amada, confortada e cuidada pelos pais, dando lugar à alegria. Acho que não existe forma mais simples de explicar a importância que as emoções desagradáveis têm na nossa vida. (No final do artigo deixo um vídeo interessante sobre este filme.)
Quando tal não acontece, não só sentimos mal-estar e sofrimento, como podem originar-se perturbações psicológicas e psiquiátricas. Peguemos no caso do medo: a vivência do medo e todos os pensamentos e comportamentos a si associados são a base das vivências ansiosas. Também a tristeza é o elemento central nas perturbações de humor, como os episódios e perturbações depressivas. Ou mesmo a culpa e o ressentimento, que são emoções e sentimentos que nos trazem tanta angústia, que não conseguimos viver em equilíbrio emocional, condicionando a forma como nos relacionamos connosco e com os outros.
Em consulta, é muito comum o pedido de ajuda na gestão emocional. Todos nós em algum momento da nossa vida já sentimos as emoções de forma tão intensa que nem conseguimos pensar, ou de forma tão desorganizada que não conseguimos comunicar de forma consciente com os outros. Trabalhar as emoções, ou seja, saber identificá-las, expressá-las e regulá-las, encontra-se intimamente relacionado com o conceito de inteligência emocional. Segundo Salovey e Mayer (1995), a inteligência emocional é a “capacidade para processar informação emocional de modo adequado e eficiente, sendo esta informação relevante para o reconhecimento, construção e regulação da emoção no próprio e nos outros”. Assim, pode dizer-se que a inteligência emocional se refere à capacidade para reconhecer emoções, os seus significados e pensamentos associados, as situações que as despoletam etc. Esta capacidade é fundamental no processo de autoconhecimento, e, por conseguinte, em todo o processo psicoterapêutico, pois permite-nos aceder ao significado de experiências, perceber como nos sentimos em determinada situação, como é que os nossos pensamentos mantêm e cristalizam determinadas emoções, e como é que o nosso comportamento está condicionado por estas duas entidades: emoção e pensamento.
Gostava que depois de ler este artigo guardasse estas ideias-chave: as emoções desempenham um papel fundamental na nossa vida; todas as emoções são válidas; devemos permitir-nos a sentir emoções desagradáveis, pois só assim conseguimos dar um significado “real” às nossas experiências; uma vivência emocional saudável é fundamental para a nossa saúde mental e para a prevenção da doença mental; o conceito de inteligência emocional é fundamental para o nosso autoconhecimento, para a forma como nos relacionamos connosco, co os outros e com o mundo, e no processo de mudança.
Se este artigo o fez pensar e refletir sobre a sua experiência, e se sente necessidade de se compreender melhor, de entender experiências passadas e relações, de alterar alguns padrões de comportamento, marque a sua sessão. Nunca fez tanto sentido cuidar da nossa saúde mental, e só cada um de nós é que pode dar este passo.