
A forma como nos pensamos na autoestima, traz-nos a infância a reboque. É neste tempo e neste lugar do crescimento, que ela se edifica. Vem do útero, daquele bebé que nasce antes de nascer, o bebé que é possível ser imaginado, com a criatividade e o afecto da família, no diálogo da relação precoce. Crescemos portanto, lado a lado, com todo este pacote que nos é tão deliberadamente transmitido nas vivências diárias, recheado dos fantasmas dos nossos Pais, e das suas vivências como filhos, nas suas experiências de sucesso e insucesso. Por exemplo, num contexto familiar conservador, em que uma mulher aprendeu desde cedo a negar e a reprimir a sua feminilidade, deparamo-nos muitas vezes com jovens mulheres inseguras, na sua imagem de mulher face aos outros. A forma como nos vemos a nós mesmos, e que é imediatamente reflectida na forma como nós achamos que os outros nos vêm, contém na sua gênese toda a bagagem emocional que a família nos imprime, e nos delega transgeracionalmente.
A ideia de que a autoestima é como qualquer coisa que se cola, porque sim, quando esbarramos com títulos apelativos de como fabricar felicidade nas muitas prateleiras do caminho, tão apregoados por uma sociedade moderna, numa espécie de “fast-living”, toma-nos como frustrados imbecis, porque a autoestima não se adquire como uma coisa que se compra. Somos ou temos de ser todos aparentemente muito bem resolvidos, nesta visão urbana da autoestima, quando o que sobra é ficarmos cada vez mais longe de nós próprios, para tentar encaixar numa medida que a sociedade de conceitos criou, e que parece uma forma mais digestiva de lidar com os desconfortos da vida. Tiremos a capa de super heróis por favor, o que nas palavras simples de Krishnamurti poderia ser o tomar consciência das condições da nossa existência diária, dos nossos desgostos, das nossas aflições, dos nosso ruídos, e conflitos, e tentar compreendê-los muito profundamente, de modo a estabelecermos uma base correcta para começar. É importante que deixemos que estas “pedras nos sapatos” nos moldem, porque as condicionantes da vida com as quais todos nós crescemos, quando bem usadas, serão uma boa arma para sempre.
Algumas famílias fazem infelizmente a negação das dificuldades dos filhos, e isto não ajuda, apesar de parecer bondoso. Mas não é nem será uma mais valia para a criança, já que os miúdos são muito perspicazes para perceber quando o sentimento não corresponde à palavra. Vemo-nos ao espelho nos olhos das pessoas que olham para nós, e nas pessoas que gostam de nós em especial, e é nesta subtileza de troca de olhares que a autoestima se fere por vezes.
Alguns Pais, sempre com o melhor das intenções, privam os filhos das primeiras experiências de fracasso, e sem querer enchem estes preciosos momentos com as suas inseguranças, que são na maioria falhas na autoestima dos próprios. São as crianças que não podem cair, porque a ideia de um mundo ideal lhes trará a felicidade eterna.
Às vezes é necessário suspendermos as crenças e os padrões, para pensar de novo. Largar o mito do “Super Eu”, tal como dizia Carlos Amaral Dias, “o Super Homem é a negação da infância, e portanto, o contrário da sua resolução”. Negando assim as fragilidades da infância, e a incapacidade de as contextualizarmos naquilo que entendemos que deverá ser ajudado a pensar e não a negar, para um desenvolvimento do indivíduo e consequentemente da referida autoestima.
Por outro lado, temos Pais que gostam de poupar nos elogios. Têm medo de comemorar os sucessos, e acham portanto que os elogios podem ser perigosos, porque fazem dos filhos preguiçosos. É outro tipo de privação, no outro extremo, de quem priva um filho de uma arma poderosa para a vida, e que quando bem aplicado, faz milagres. Os Pais confundem o seu cansaço, o ritmo frenético dos dias e as birras dos filhos, com aquilo que na verdade não é mais do que o esquecimento de uma parte tão importante para a cumplicidade e para o afecto na relação com os filhos, e que esta capacidade de lhes dizermos com a verdade do coração, o quão importante e o quão incríveis eles são. Isto não é o mesmo que passar a vida a dizer que sim a tudo.
O sonho é a realidade interior, e relembro João dos Santos que dizia que a actividade criativa está intimamente ligada à busca do eu. Portanto, deixem as crianças brincar, para serem adultos fortes e saudáveis. É no brincar que o interior comunica com o exterior, e que nos permite aceder à experiência da criatividade, motor de encontro connosco próprios, indo ao encontro da nossa integridade como seres únicos que somos. É no brincar que usufruímos da nossa liberdade de criação. Tal como dizia Coimbra de Matos, que nos deixou tão recentemente: “O peso da realidade normativa sufoca o desenvolvimento do imaginário e do simbólico”, e portanto num contexto em que a vida mental se reduz à funcionalidade adaptativa, não se tem auto nem se tem estima.
Deixo-vos uns minutos deste fantástico documentário de Nicolas Philibert que retrata o tema da evolução humana, onde a autoestima se conecta transversalmente desde o início ao seu fim, numa aliança muito interessante entre educação e amor, sem os idealismos derrotistas do ser da sociedade moderna. O professor eleva a autoestima, e permite que a criança sonhe, deseje e se construa, na descoberta da sua individualidade como um indivíduo capaz de enfrentar as vicissitudes da vida. Com uma voz muito próxima da vivência da infância, Georges Lopez ensina as crianças nas várias áreas da vida e muito próximo da capacidade criativa de cada um, a acreditarem nas suas próprias habilidades, trabalhando a frustração, aceitando os limites e motivando as crianças a vencer os obstáculos. Porque a mensagem implícita em toda a sua acção, neste estilo de relação único com os alunos, é a capacidade de acreditar verdadeiramente que cada um deles é suficientemente capaz.
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Muito bom o texto. Adorei ler e identifiquei-me. Parabéns