A Dra. Mafalda Fernandes da Clínica Learn2Be apresenta o ciclo de entrevistas exclusivas: “Conversas que curam”. Neste oitavo episódio o tema abordado: Um olhar sobre as famílias LGBTQ+. Uma conversa entre a Psicóloga Clínica Dra. Mafalda Fernandes e Mag Rodrigues, fotógrafa e autora do Projecto fotográfico – FAMÍLIA – Sobre famílias lgbtq+.
A forma como nos pensamos na autoestima, traz-nos a infância a reboque. É neste tempo e neste lugar do crescimento, que ela se edifica. Vem do útero, daquele bebé que nasce antes de nascer, o bebé que é possível ser imaginado, com a criatividade e o afecto da família, no diálogo da relação precoce. Crescemos portanto, lado a lado, com todo este pacote que nos é tão deliberadamente transmitido nas vivências diárias, recheado dos fantasmas dos nossos Pais, e das suas vivências como filhos, nas suas experiências de sucesso e insucesso. Por exemplo, num contexto familiar conservador, em que uma mulher aprendeu desde cedo a negar e a reprimir a sua feminilidade, deparamo-nos muitas vezes com jovens mulheres inseguras, na sua imagem de mulher face aos outros. A forma como nos vemos a nós mesmos, e que é imediatamente reflectida na forma como nós achamos que os outros nos vêm, contém na sua gênese toda a bagagem emocional que a família nos imprime, e nos delega transgeracionalmente.
A ideia de que a autoestima é como qualquer coisa que se cola, porque sim, quando esbarramos com títulos apelativos de como fabricar felicidade nas muitas prateleiras do caminho, tão apregoados por uma sociedade moderna, numa espécie de “fast-living”, toma-nos como frustrados imbecis, porque a autoestima não se adquire como uma coisa que se compra. Somos ou temos de ser todos aparentemente muito bem resolvidos, nesta visão urbana da autoestima, quando o que sobra é ficarmos cada vez mais longe de nós próprios, para tentar encaixar numa medida que a sociedade de conceitos criou, e que parece uma forma mais digestiva de lidar com os desconfortos da vida. Tiremos a capa de super heróis por favor, o que nas palavras simples de Krishnamurti poderia ser o tomar consciência das condições da nossa existência diária, dos nossos desgostos, das nossas aflições, dos nosso ruídos, e conflitos, e tentar compreendê-los muito profundamente, de modo a estabelecermos uma base correcta para começar. É importante que deixemos que estas “pedras nos sapatos” nos moldem, porque as condicionantes da vida com as quais todos nós crescemos, quando bem usadas, serão uma boa arma para sempre.
Algumas famílias fazem infelizmente a negação das dificuldades dos filhos, e isto não ajuda, apesar de parecer bondoso. Mas não é nem será uma mais valia para a criança, já que os miúdos são muito perspicazes para perceber quando o sentimento não corresponde à palavra. Vemo-nos ao espelho nos olhos das pessoas que olham para nós, e nas pessoas que gostam de nós em especial, e é nesta subtileza de troca de olhares que a autoestima se fere por vezes.
Alguns Pais, sempre com o melhor das intenções, privam os filhos das primeiras experiências de fracasso, e sem querer enchem estes preciosos momentos com as suas inseguranças, que são na maioria falhas na autoestima dos próprios. São as crianças que não podem cair, porque a ideia de um mundo ideal lhes trará a felicidade eterna.
Às vezes é necessário suspendermos as crenças e os padrões, para pensar de novo. Largar o mito do “Super Eu”, tal como dizia Carlos Amaral Dias, “o Super Homem é a negação da infância, e portanto, o contrário da sua resolução”. Negando assim as fragilidades da infância, e a incapacidade de as contextualizarmos naquilo que entendemos que deverá ser ajudado a pensar e não a negar, para um desenvolvimento do indivíduo e consequentemente da referida autoestima.
Por outro lado, temos Pais que gostam de poupar nos elogios. Têm medo de comemorar os sucessos, e acham portanto que os elogios podem ser perigosos, porque fazem dos filhos preguiçosos. É outro tipo de privação, no outro extremo, de quem priva um filho de uma arma poderosa para a vida, e que quando bem aplicado, faz milagres. Os Pais confundem o seu cansaço, o ritmo frenético dos dias e as birras dos filhos, com aquilo que na verdade não é mais do que o esquecimento de uma parte tão importante para a cumplicidade e para o afecto na relação com os filhos, e que esta capacidade de lhes dizermos com a verdade do coração, o quão importante e o quão incríveis eles são. Isto não é o mesmo que passar a vida a dizer que sim a tudo.
O sonho é a realidade interior, e relembro João dos Santos que dizia que a actividade criativa está intimamente ligada à busca do eu. Portanto, deixem as crianças brincar, para serem adultos fortes e saudáveis. É no brincar que o interior comunica com o exterior, e que nos permite aceder à experiência da criatividade, motor de encontro connosco próprios, indo ao encontro da nossa integridade como seres únicos que somos. É no brincar que usufruímos da nossa liberdade de criação. Tal como dizia Coimbra de Matos, que nos deixou tão recentemente: “O peso da realidade normativa sufoca o desenvolvimento do imaginário e do simbólico”, e portanto num contexto em que a vida mental se reduz à funcionalidade adaptativa, não se tem auto nem se tem estima.
Deixo-vos uns minutos deste fantástico documentário de Nicolas Philibert que retrata o tema da evolução humana, onde a autoestima se conecta transversalmente desde o início ao seu fim, numa aliança muito interessante entre educação e amor, sem os idealismos derrotistas do ser da sociedade moderna. O professor eleva a autoestima, e permite que a criança sonhe, deseje e se construa, na descoberta da sua individualidade como um indivíduo capaz de enfrentar as vicissitudes da vida. Com uma voz muito próxima da vivência da infância, Georges Lopez ensina as crianças nas várias áreas da vida e muito próximo da capacidade criativa de cada um, a acreditarem nas suas próprias habilidades, trabalhando a frustração, aceitando os limites e motivando as crianças a vencer os obstáculos. Porque a mensagem implícita em toda a sua acção, neste estilo de relação único com os alunos, é a capacidade de acreditar verdadeiramente que cada um deles é suficientemente capaz.
Atravessamos uma das fases mais desafiantes das nossas vidas. A atual pandemia de Covid-19 é desafiadora em vários sentidos. É-nos exigida uma adaptação rápida à nova realidade, uma mudança de paradigmas e uma revisão dos nossos hábitos.
Nas famílias, pais e mães profissionais vêem-se confrontados com uma nova forma de trabalho – o teletrabalho. Reiventaram-se e adaptaram-se, da melhor forma que conseguiram, no sentido de encontrarem as melhores formas de trabalharem e, simultaneamente, educarem e gerirem as necessidades dos seus filhos.
Pais e filhos convivem agora 24h por dia entre aulas online, telescola, brincadeiras, tarefas, explicações, actividades físicas, reuniões, teletrabalho, avaliações, tarefas domésticas e algum descanso.
É importante perceber que o novo modelo de vida e estas novas dinâmicas familiares fazem cada pai e mãe refletir sobre a sua relação consigo mesmo e com a sua família. Certo é que se não estão bem consigo próprios, não estarão com ninguém, inclusive com os seus filhos.
As relações, nos últimos tempos, tornaram-se mais intensas. Esta intensidade reflete-se, inevitavelmente, na saúde mental e na diminuição do autocuidado.
O burnout parental está relacionado com o extremo cansaço sentido por pais e mães. Traduz-se na exaustão, distanciamento emocional, mudanças de humor, irritabilidade, falta de paciência, dificuldade em gerir emoções, sentimento de incapacidade e incumprimento do papel de pais. Esta não é uma situação exclusiva da mãe. Também o pai a sente.
As causas são diversas, mas, regra geral, estão aliadas à sobrecarga de funções dos pais. Voltando ao início, o teletrabalho tem contribuído sobremaneira para o desenvolvimento e agravamento deste sindroma. Quando pensamos na vida pré-quarentena, recordamos que o contacto diário com os filhos era menos intenso, motivado pelas vidas profissionais e educacionais de um lado e outro. Agora tudo mudou. Na maioria das situações, nunca pais e filhos conviveram durante tanto tempo, no mesmo espaço, num momento de tantas incertezas.
Apesar de estarmos longe de medir totalmente os impactos da Covid-19 na nossa sociedade, começamos a poder observar algumas mudanças. Percebemos também que foi necessário desacelerar. De fato, estávamos num ritmo de vida acelerado e numa espécie de “piloto automático”.
Porém, e voltando aos pais, estes mostram hoje, neste “novo normal”, um sentimento de culpa e irritação por não acompanharem devidamente a educação dos seus filhos, por não terem paciência, por assumirem novas funções, por considerarem que não lhes dão a segurança necessária e as certezas de um futuro melhor.
Hoje, como no passado, o importante não é a quantidade, mas sim a qualidade do tempo dedicado aos filhos. Mais do que estar permanentemente com os filhos, é importante dar-lhes também o seu espaço, permitindo-lhes também desenvolverem as capacidades de estar sozinhas e gerir o seu tempo e emoções. Também elas vivem esta mudança repentina.
E, não sendo possível mudar uma situação, há que encará-la e olhá-la de forma diferente. Mude a forma de ver a situação.
Não procure resposta para tudo. É preciso saber lidar com as incertezas. Não existem pais perfeitos. Nós não temos pais perfeitos. Não somos pais perfeitos. Não temos filhos perfeitos.
É importante ter cuidado para não repetir o modelo dos seus pais, ou seja, educar como foi educado. Cada família terá as suas características distintas e únicas. Selecione o que considera que faz sentido para si. Ser um modelo de pai ou de mãe não é uma exigência, nem tampouco uma meta.
Conversem mais. A comunicação resolve o conflito. Procure a comunicação assertiva. Elimine a comunicação tóxica. Estimule a escuta ativa e não a defensiva. Ouvir para compreender e não para defender. Baixe a guarda. Perceba que podemos aprender muito com os nossos filhos e que estes podem ajudar-nos no nosso processo de desenvolvimento.
Sempre que possível, guarde um tempo para fazer algo que lhe faz bem. Relaxe!
Procure baixar o nível de exigência consigo. Fique atento às autocríticas e julgamentos. Se os pais tendem a ser perfeccionistas, irão projetar nos filhos essa expectativa de perfeição, serão demasiado críticos e julgadores.
É importante perceber que a rotina e organização podem aumentar a obediência dos filhos que passam a ver o dia estruturado e a ter uma maior sensação de segurança. Os filhos podem realizar tarefas em família, participando nas tarefas, de forma a sentirem-se incluídos. Provavelmente, com a experiência de participarem na elaboração de determinadas tarefas, respeitarão melhor as regras, perceberão melhor os objetivo da rotina, organização e regras.
Os pais precisam dizer “não” sem culpa. Dizer “não” é também amar. Precisam estar atentos na forma como dizem “não”, a qual fará toda a diferente. Os filhos precisam aprender a lidar com limites, os quais fazem parte da vida. Sim, todos precisamos de limites, de respeitar regras, ser responsáveis, inclusive as crianças. Porém, a flexibilidade é também necessária. É necessário não ser rígido, – ponderar e encontrar um equilíbrio são fundamentais.
Se considera que está a atravessar uma dificuldade neste sentido, se sente angústia por não conseguir resolver a situação, procure ajuda de um profissional. Falar sobre o que sente é o melhor remédio para aliviar a dor, resolver os seus problemas e superar os desafios.