
O conflito entre o caminho que nos é disponibilizado pelos nossos cuidadores e o caminho que vamos construindo na nossa trajetória desenvolvimental, é uma tensão que, de certa forma, nos acompanha ao longo de toda a vida. Construir o nosso caminho representa definir a nossa personalidade. O caminho que definiram para nós representa as oportunidades e, também, as limitações colocadas pelos fatores sobre os quais assenta a construção da personalidade: a herança biológica e o contexto social. Construir o nosso caminho significa ultrapassar as limitações impostas por estes dois fatores e, consequentemente, alcançar o maior grau de autonomia e unicidade enquanto indivíduo. Não alcançar um grau de autonomia satisfatório significa menor aproveitamento das oportunidades oferecidas pela maturação biológica e pela atividade dos agentes de socialização (família, escola, média). Este menor aproveitamento traduz-se por défices desenvolvimentais e/ou dificuldades adaptativas que ocasionalmente se traduzem pelo prejuízo do equilíbrio e bem-estar psicológico.
A construção da personalidade representa a consagração em indivíduo psicológico de um sujeito que inicialmente era apenas biológico. Esta consagração, guiada pela alteração progressiva das funções cerebrais, corresponde à aquisição e desenvolvimento da mente enquanto entidade reguladora do comportamento humano. A mente humana foi originada através da atividade que liga os indivíduos da espécie humana ao mundo, aos outros e a si mesmos. Uma atividade que sofreu evolução ao longo do tempo e que possibilitou a transformação dos homens primitivos no atual homo sapiens.
Isto quer dizer que a emergência e desenvolvimento das competências mentais de cada pessoa começam por acontecer a nível social, externo, na medida em que são inicialmente experimentadas e aprendidas na interação com as outras pessoas e com o mundo.
A mente humana não é o resultado de uma mera ramificação das forças biológicas e sociais que atuam no indivíduo, nem sequer da sua combinação. Ela existe como uma forma de relação pelo que deve ser vista como uma entidade relacional. Mais do que uma atividade isolada que é despoletada por processos internos, com reduzida importância prática na vida, a mente e os processos psicológicos são percebidos como processos promulgados na e, através, da atividade dos indivíduos. Dito de outro modo, as formas materializadas da atividade humana são transformadas em processos intrapsicológicos. Isso é visível nas diferenças entre diferentes povos que habitam o planeta. A sua atividade diferencial na relação com a natureza, os outros humanos e consigo próprios é projetada na construção de circuitos cerebrais distintos que, por sua vez, possibilitam formas diferenciadas de concetualização, compreensão e atuação. Embora contingente com as leis da natureza e do mundo vivo, o desenvolvimento humano é radicalmente distinto dos processos do resto do mundo vivo.
A transição da atividade intersubjetiva (relacional) para a atividade intrasubjetiva (mental), do plano externo para o plano interno de atividade, do plano social para o individual, ocorre através de processos de mediação. Mais precisamente, a interação social, mediada pelas ferramentas culturais e pelos símbolos, permite a apropriação do material social para o domínio do individual. A aprendizagem de uma língua constitui um excelente exemplo disto. Dotado da capacidade cerebral para aprender a utilizar linguagens, o cérebro de cada pessoa aprende esta ou aquela língua em função da atividade intersubjetiva disponível no contexto onde cresce e vive. Por isso uns humanos falam português e outros falam japonês. Por isso uns humanos falam uma língua e outros falam duas ou três.
Isto significa que a construção da personalidade, embora limitada pelas caraterísticas das oportunidades disponibilizadas pelos agentes do ambiente sociocultural em que cada indivíduo cresce, é profundamente ditada pela atividade individual.
Este desafio é, simultaneamente, o propósito fundamental da nossa atividade. Nem sempre conseguimos resolver as dimensões deste conflito que são importantes na nossa vida individual. É nesse momento que precisamos de ajuda. As dificuldades apresentadas pelas pessoas que pedem ajuda psicológica, o sofrimento que materializam no seu corpo, refletem a forma mais ou menos favorável como resolveram aquele conflito até ao momento atual. O psicoterapeuta exerce uma função de mediação que possibilita a reorganização dos processos mentais, intrasubjetivos, de forma a que a pessoa consiga modificar evolutivamente a sua atividade. A transformação dos seus modos habituais de atuação vai fazer diminuir os seus níveis de dificuldade e sofrimento. Posso auxilia-lo no processo, marque a sua consulta hoje.