
O perdão constitui uma das mais exigentes ações humanas, uma exigência bem patente na condição a alcançar para emitir um perdão verdadeiramente efetivo. Este tipo de comportamento exige que, apoiada na vontade em perceber o ofensor com compaixão e benevolência, a pessoa consiga superar os juízos e afetos negativos relativos ao ofensor, apesar de reconhecer que tem direito a tais juízos e afetos. Deste modo, a pessoa opta por descartar juízos e afetos negativos em detrimento de juízos e afetos positivos. Importa referir que, por vezes, a pessoa causa danos a si própria o que exige o autoperdão.
A condição apresentada evidencia a complexidade do perdão pois inclui dimensões afetivas, de ressentimentos ou raivas, dimensões cognitivas, de rejeição ou condenação e, dimensões comportamentais, de manifestação de compaixão e benevolência ao invés de retaliação ou vingança. A maior parte de nós dirá que este comportamento apenas está ao alcance de pouquíssimas pessoas. Para se perceber como podem alcançar esta competência é necessário conhecer como ela se modifica ao longo do desenvolvimento.
O desenvolvimento do perdão pode ser descrito de forma resumida em 6 estádios evolutivos. Numa primeira fase a pessoa admite o perdão se puder castigar quem a ofendeu (perdão como vingança). Num segundo período, a pessoa perdoa se voltar a ter o que perdeu na ofensa (perdão como restituição). Numa terceira fase a pessoa perdoa para fazer o que é esperado pelos outros (perdão como expetativa social). Numa quarta etapa a pessoa perdoa para cumprir uma exigência definida por referências ideológicas imanadas pelas instituições sociais, educativas, religiosas, jurídicas, políticas, etc (perdão como expetativa legal). Num quinto período a pessoa perdoa porque é um modo de restabelecer a harmonia interpessoal e diminuir os conflitos sociais (perdão como harmonia social). Finalmente, na sexta etapa, a pessoa perdoa porque é uma ação que promove um verdadeiro sentido de amor no convívio entre as pessoas (perdão como amor).
Esta sequência evolutiva, expressa uma centração inicial na própria pessoa nas duas primeiras etapas: orientação para o castigo (1) e para o interesse próprio (2). De forma evolutiva, a pessoa adota uma centração em aspetos interpessoais nas duas etapas seguintes: orientação para a aprovação interpessoal (3) e para a manutenção do sistema institucional visto como um todo (4). Finalmente, ela alcança uma centração moral: orientação para o maior bem comum (5) e orientação para um ideal a alcançar na relação (6).
A capacidade progressiva de incluir critérios de reversibilidade e reciprocidade nos seus juízos cognitivos, permite a transformação de um pensamento egocêntrico, sempre mais direcionado para a própria pessoa e para os seus prejuízos, num pensamento com descentração social e, consequentemente, maior capacidade para considerar os outros. Finalmente, os juízos utilizam um pensamento mais abstrato que é capaz de considerar dimensões gerais como o Maior Bem Comum. Porém, a transformação cognitiva é acompanhada por uma outra modificação nesta sequência evolutiva. O abandono de afetos de cariz negativo, como a raiva e o ressentimento, a favor de afetos mais positivos orientados para a consideração dos outros e, particularmente de elementos fundamentais na regulação do convívio social como a empatia e a compaixão, é uma competência decisiva para o desenvolvimento do perdão.
Estas competências asseguram a possibilidade de a pessoa superar o ressentimento ao ofensor que lhe causa sofrimento, fundamental para alcançar um estado psicológico de tranquilidade e bem-estar. Este raciocínio pode igualmente aplicar-se ao autoperdão, nos casos em que a pessoa permanece em estados psicológicos determinados por emoções de vergonha e/ou a culpa, ou causados por julgamentos que a levam a assumir a responsabilidade de um dano causado a si própria. Enquanto a pessoa não se perdoar vai permanecer em estado de sofrimento. Aceitar os limites da condição humana, da possibilidade de acerto e de erro ou de alcançar ou falhar metas definidas, é um estado fundamental de consciência para ter mais saúde e qualidade de vida.
É importante que a pessoa consiga reconhecer as suas emoções e sentimentos, seja em relação a outra pessoa, seja em relação a si mesma. Isso vai ajudá-la a perceber porque tem determinados pensamentos, frequentemente com uma natureza repetitiva. Após esse reconhecimento, a pessoa deve tomar uma decisão sobre o que pretende fazer com esses sentimentos. Pode permanecer num funcionamento de vítima indefesa, o qual causa muito sofrimento. Esta escolha permite que o ofensor, ou o comportamento considerado errado ou impróprio no caso de ser autoinfligido, continuem demasiado presentes na mente da pessoa o que alimenta o mal-estar emocional. De modo distinto, a pessoa pode aceitar a situação o que lhe permite eliminar a presença do ofensor na sua mente, ou do comportamento alvo de autocondenação, o que lhe permite assumir o controlo da situação, passando de vítima a protagonista. Ao abandonar as ideias de castigo, dirigidas a outrem ou a si mesma, a pessoa consegue abandonar as cargas tóxicas acopladas à situação vivida, aumentando o bem-estar e confiança. Estas operações psicológicas são difíceis e, frequentemente, exigem a realização de um trabalho psicoterapêutico.
Muitas vezes as pessoas mantêm juízos negativos sobre comportamentos emitidos no passado, esquecendo que as condições em que avaliam esses comportamentos no presente diferem daquelas em que os cometeram. É preferível a pessoa aceitar o que aconteceu, perdoar-se a si própria ou, até, perdoar quem teve comportamentos negativos consigo. Tem de ser verdadeiramente uma ação de perdão, ao invés de um mero esquecimento, pois não são a mesma coisa nem geram efeitos semelhantes. Quando a pessoa opta pelo mero esquecimento é frequente manter sentimentos de ressentimento a si ou ao ofensor. O esquecimento é uma espécie de perdão “oco ou vazio” pois não garante à pessoa a modificação suficiente do seu estado psíquico. É necessário um perdão emocional, no qual existe uma substituição de emoções negativas por emoções positivas e orientadas para o outro. As emoções são fundamentais nos processos decisórios pois permitem uma melhor priorização dos objetivos e. particularmente, mobilizam energia e dão direção ao comportamento. Para perdoar verdadeiramente é preciso ter empatia e/ou compaixão, a si ou ao ofensor. A pessoa apenas abandona o sofrimento em favor de um estado de verdadeira e estável tranquilidade quando emite julgamentos apoiados naquelas emoções.