
Ver e olhar são palavras que expressam ideias diferente. Ver se refere ao ato de registar uma cena ou objeto. Olhar é ver com intencionalidade; o Olhar é lento e complementa o Ver, pois traz sentimento, sensibilidade e contemplação.
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
José Saramago
O ato de Ver é algo complexo, encerra vários processos. Eruditos e místicos destacaram a posição superior do olhar interno, a capacidade de enxergar em diversos níveis. Ver para além da aparência, longe da perceção imediata. A milenar filosofia do Yoga refere o 6º Chakra, o terceiro olho, que pode ser treinado e desenvolvido pela atenção plena, um dos princípios da arte de meditar.
Quando Buda se iluminou, ele deixou a sua visão antiga, uma visão bela e harmoniosa, contudo limitada à realidade dos muros do palácio onde cresceu.
Intencionalmente “protegido” pelo seu pai, de qualquer visão ou experiência de miséria, doença, velhice ou morte. A primeira vez que Buda ousou espreitar para além dos muros que o cercavam, conseguiu ver a realidade, conseguiu ver o mundo com toda sua beleza, imperfeição e impermanência. Expandiu o seu olhar com compaixão e sabedoria para algo mais amplo, que até então, jamais havia conhecido.
Por muitas gerações, esta capacidade intuitiva foi enterrada pelo preconceito limitante da inquisição, de leis, dogmas e crenças irreais. Homens e mulheres foram aniquilados por darem voz as suas perceções instintivas. Na atualidade não temos uma inquisição, mas temos uma “ditadura” tão convencionada por filtros e selfies, as pessoas estão perdendo a sua capacidade de ver a realidade tal qual como é.
Pois estão obcecadas ao tipo de imagem padronizada, que irão publicar nas suas redes sociais. Perdendo a beleza do momento mesmo tendo uma paisagem paradísica aos seus pés.
Passando achar que, o mais importante, é o ângulo certo que irá favorecer a selfie perfeita, sobrepondo a sua face numa bela paisagem, numa obra de arte ou num monumento histórico.
Tal como o pai de Buda, esta incessante busca rasa pelo disfarce para evitar a dor da constatação da “imperfeição” da impermanência da vida; de ser aceite sem julgamentos, faz com que as pessoas se escondam atrás de filtros para obter a melhor qualidade e versões de si mesmas, na maior parte das vezes, longe da verdade.
Usar as redes sociais para comunicar, promover um produto, criar conexão, é aceitável e necessário nos tempos modernos. Contudo, quando você consente que as redes sociais se apropriem da sua vida e se tornem o conceito de quem você é como pessoa, isto pode tornar-se num jogo preocupante e nocivo. É provável que se crie uma imagem ilusória de si, ou uma narrativa de uma vida que você gostaria de ter, e que do outro lado, os outros pesam que você realmente tem. Mas não tem relação com a sua verdade, com a sua realidade.
Cada pessoa tem suas próprias lentes para olhar o mundo, a realidade. Quantas são as realidades? Se formos duas pessoas a observar, existe a minha realidade, a sua realidade e a realidade por si. Duas ou mais pessoas podem olhar para um mesmo objeto ou evento e elaborarem diferentes interpretações de uma mesma realidade.
Entre tantas visões e certezas diferentes, afinal, qual delas é a realidade? Nenhuma? Todas? A realidade é muito maior do que nossas formas de a perceber. A conclusão que cada um chega, depende da sua cosmovisão, de como nutriu sua sede de conhecimento e valores.
Quanto mais diversificado o nosso menu de lentes, quanto mais profunda a consciência de quem somos e de tudo o que nos rodeia, mais profundo será este olhar, mais detalhado e amplificado, despido de julgamento ou crenças limitantes.
Um exercício interessante para apurar o modo de Olhar, é, experimentar falar com alguém do seu círculo próximo, alguém que passou pela mesma experiência que você. Converse com esta pessoa (um irmão ou irmã, por exemplo). Diga-lhe como você vê sua mãe ou seu pai. Em seguida escute e observe os referencias e pontos de vista do seu irmão. Qual é a diferença entre você e ele? Talvez, a visão dele é completamente diferente da sua. Mas não se preocupe em determinar qual é visão certa ou errada, porque cada um tem modo diferente de ver. Apenas tome consciência dessa diferença. Pois se você acreditar que vê a realidade, que você é quem está certo, vai interpretar que o outro está errado.
“O preconceituoso tem olhos e não vê, enxerga e nada distingue.”
Leandro Karnal
Marshall B. Rosenberg em seu livro: Comunicação Não Violenta (CNV), refere que o primeiro componente desta comunicação segura e saudável, acarreta necessariamente separar observação de avaliação. Precisamos observar claramente, sem acrescentar nenhuma avaliação, o que vemos, ouvimos ou tocamos que afeta nossa sensação de bem-estar.
“As observações constituem um elemento importante da CNV, em que desejamos expressar clara e honestamente a outra pessoa como estamos. No entanto, ao combinarmos a observação com a avaliação, diminuímos a probabilidade de que os outros ouçam a mensagem que desejamos lhes transmitir. Em vez disso, é provável que eles a escutem como crítica e, assim, resistam ao que dizemos.”
Marshall Rosenberg
Portanto, para ver e comunicar melhor, você deve se conhecer, abandonar os modos antigos, as lentes empoeiradas e obsoletas que limitam um visionamento mais claro.
Se esta leitura mobilizou em si algum desejo de mergulhar neste olhar interior, audição interior, perceção interior, conhecimento interior e comunicação clara e assertiva. Nós estamos aqui para facilitar o seu processo. Pois, falar, só é terapêutico, quando o olhar e a escuta, são qualificados.
“Porque eu faço terapia? Porque ela acende uma luz sobre aquela mobília que eu vivo tropeçando cegamente.”
Clara Brow