
1. A utilização das aplicações de namoro aumentou durante a pandemia. Quais foram as principais alterações, esta e outras, no relacionamento das pessoas?
É verdade, a pandemia produziu uma série de efeitos que vão muito para além da saúde, e os relacionamentos e a forma de nos relacionar não foram exceção. Ao mesmo tempo acredito que, como a Marta disse de início, a pandemia não criou estes fenómenos, mas impulsionou-os.
As limitações, o distanciamento social físico e confinamentos, alteraram a forma como as pessoas se relacionaram e as principais alterações que sabemos foi ao nível do funcionamento dentro das próprias aplicações de encontros, aumentou o número de utilizadores, alguns estudos demonstraram um aumento do género feminino, aumentou a média de idade dos utilizadores e o tempo despendido nas aplicações também aumentou, comparado com anos anteriores. Para além disso, importa referir que com esse aumento de utilizadores, veio uma maior probabilidade de sofrer dos perigos que todas as aplicações e o mundo virtual nos traz.
Fora das aplicações de encontros, foi preciso uma grande adaptação de todos nós nas nossas interações sociais e provavelmente todos sentimos um aumento da ansiedade no que toca a encontros cara a cara, o nervosismo e a insegurança. Que podem estar relacionados com uma série de fatores externos, por exemplo a transmissão do vírus.
Ao mesmo tempo, tem muito mais a ver, com a nossa capacidade de adaptação, as competências sociais e características de personalidade que cada um já possuía, mas importa destacar o seguinte: Existem pessoas com muitas competências sociais o que torna mais fácil a interação com as outras pessoas. Por outro lado, existem pessoas com menos competências sociais e é muito provável que devido ao isolamento não treinaram estas competências, o que diminui as suas capacidades bem como a motivação para interagir com outras pessoas, e nesse sentido, sobretudo para essas pessoas, a pandemia veio agravar os sentimentos de insegurança e solidão.
2. Da vossa experiência parece-vos que estas aplicações vieram para ficar? Ou seja, mesmo que se volte ao ‘velho’ normal elas continuarão a ser bastante representativas na forma como se conhece outras pessoas hoje em dia?
Sim, sem dúvida. Essas aplicações e podemos incluir talvez as redes sociais, proporcionam-nos oportunidades excelentes de nos conectarmos. Por exemplo, nesta pandemia, não consigo imaginar como seria o mundo sem as redes sociais ou o espaço virtual.
Mesmo antes da pandemia, as aplicações de encontros, já registavam um aumento significativo de utilizadores, prevendo que tal tendência se mantenha. Muito devido à sua facilidade, por quebrar limites temporais, sociais e geográficos e porque acaba por ser uma solução como outra qualquer para conhecer novas pessoas.
Apesar dos diferentes objetivos que podem levar as pessoas a acederem a essas apps, existe um denominador comum, que é o facto de desejo de criar ligações com outros, seja de forma direta (conversar) ou indireta (ver perfis).
Somos seres sociais e como tal vamos sempre procurar estabelecer relações significativas, se tivermos ferramentas que proporcionam isso, vamos utilizá-las.
3. Quais são, atualmente, os principais desafios de quem está solteiro e quer conhecer pessoas novas?
Os desafios dependem da idiossincrasia de cada um. Mas pela minha experiência clínica e relatos de clientes, acredito que um dos fatores seja a crença de “amores líquidos” esta é uma ideia do sociólogo Zygmunt Bauman, que definiu o comportamento da sociedade, como tendo relações e intimidades múltiplas e fugazes – São mais líquidas do que sólidas.
Quando uma pessoa acredita nesta superficialidade das relações, quando acredita que a nossa cultura é cada vez mais descartável, isto constitui um desafio na forma como se relacionam, como confiam, como se entregam, tornam mais difícil criarem uma conexão profunda e significativa.
Outro dos desafios, muito impulsionado pelas redes sociais, é a quantidade de opções quando se trata de um possível parceiro(a), e isso nem sempre é bom, uma vez que quanto mais opções eu tenho, mais complicado fica o meu processo decisório e menos satisfeita eu fico com qualquer escolha que eu faça…porque aquele que não escolhi pode ser sempre melhor. Ou seja, um relacionamento menos que perfeito será abandonado com muito mais facilidade.
Nesse sentido, também a ilusão de que os outros são sempre melhores é outro dos desafios. Caímos no erro de comparar o palco dos outros com os nossos bastidores e isso, faz com que, não nos permitamos dar oportunidade a situações, trabalhos e relacionamentos porque estamos à procura do “perfeito”.
Para além disso, relacionado com o mundo virtual, temos uma série de novos desafios a enfrentar, como o ghosting (parar de repente toda a comunicação sem avisar), o catfishing (fingir ser alguém que não é), cyberstalking (usar a Internet para assediar ou ameaçar sistematicamente alguém) entre outros.
4. Hoje é mais fácil do que há 20 anos conhecer e encontrar a outra metade da laranja?
Não sei, sei que sem dúvida, o surgimento de sites e apps de namoro, mudaram o jogo. Com essas apps e tudo que existe, aumentou o número de potenciais parceiros o que em tese aumenta as probabilidades de encontrar a outra metade da laranja. As pessoas não têm limites temporais, sociais e geográficos, como acontecia há 20 anos atrás.
Há 20 anos atrás as pessoas conheciam-se através de redes sociais como a escola, trabalho, igreja, associações recreativas, ou outros grupos sociais. Hoje também se conhecem assim, mas existem mais redes sociais (tecnológicas) que podemos utilizar a nosso favor.
Ao mesmo tempo, esses conceitos de metade da laranja, cara-metade, está escrito nas estrelas, alma gémea, sentir o click, acabam por ser perigosos uma vez que passa a responsabilidade para o outro ou para uma entidade superior. Na verdade, se alguém está á procura do amor e quer encontrar aquela pessoa com quem possa passar o resto de sua vida, deve ter em mente que não existe uma fórmula mágica ou um algoritmo perfeito, devemos ser nós a criar a compatibilidade com tudo que isso implica.
É mais realista experimentar esse sentimento de cara metade, quando construímos uma conexão com alguém, em vez de uma que aconteceu por obra do destino. Na primeira foi feita uma escolha, onde temos de trabalhar para fazer o amor e a conexão acontecerem. Na segunda opção somos agentes passivos á espera que o amor aconteça. Qual acha que vai dar certo?
5. Quais os cuidados que os utilizadores destas aplicações devem ter? De alguma forma são comuns a conhecer pessoas novas de outra forma?
Sim, existem cuidados que são comuns. Ao mesmo tempo, quando falamos do mundo virtual – falamos de um mundo próprio que também tem as suas regras e existem cuidados que temos de ter. Onde estão muitas pessoas, existem também criminosos a tentarem-se aproveitar. Alguns cuidados passam por não nos expormos demasiado, ter atenção ás informações pessoais que partilhamos, marcar encontros em locais públicos, partilhar a localização com a alguém em quem confiamos (quando, onde e com quem nos vamos encontrar).
A nível psicológico também existem alguns cuidados, não nos podemos esquecer que essas apps são também um negócio e por isso são desenhadas para serem viciantes, é importante estabelecer os seus limites e perceber quando está a passar demasiado tempo nessas apps.
Outro dos cuidados a nível psicológico prende-se pelo fato de seremos verdadeiros sobre quem somos, claro que é natural querermos nos apresentar no nosso melhor, mas quando escondemos características e interesses que achamos que vão ser percebidos negativamente pelos outros e fazemos isso constantemente estamos a diminuir o nosso valor e com isso diminuímos a nossa autoestima.
Por fim, talvez diria que outro dos cuidados a ter seria definir os seus valores e o seu objetivo na utilização dessas apps, e ser honesta consigo mesma e com os outros. Estarei a utilizar essas apps para procurar uma relação séria, para me divertir ou fugir da solidão, da ansiedade ou do tédio?
6. Por outro lado, há casos de sucessos de casais que se apaixonam depois de se conhecerem desta forma. O preconceito contra esta nova forma de conhecer o outro e interagir está também a diminuir? Daqui a 10 anos vai ser tão usual conhecer alguém desta forma como num jantar de amigos?
Eu diria mesmo, que já o é. As apps de namoro são apenas uma forma de abrir portas para conhecer e namorar pessoas, a grande vantagem é a capacidade de simplesmente ajudar a conhecer mais pessoas.
Ao mesmo tempo, como psicóloga, a minha única preocupação prende-se pelo fato de pudermos vir a evitar cada vez mais as conversas difíceis, aceitar as nossas vulnerabilidades, sairmos menos da nossa zona de conforto e fecharmo-nos às diferenças. Agora, não acho que a comunicação digital ou este tipo de apps possa substituir o contacto humano. O ser humano necessita do contacto físico e emocional com outros seres humanos. É quase como se essas apps fossem como uma máquina de lançar bolas de ténis, que arremessa bolas contra nós enquanto treinamos os nossos movimentos. Ela cumpre o seu propósito, mas será que por ela existir diminui a experiência do jogo de ténis com outra pessoa? Acredito que possa ser um bom complemento, mas o jogo engloba muitos fatores, fatores esses que não podem ser reproduzidos pela tecnologia – é preciso sentir.
Como na maior parte das coisas na vida, existem lados bons e maus em todas as coisas. Quanto melhor as pessoas entenderem algo e como isso afeta a sua vida, melhor pode interagir com isso. E vir a ter encontros mais eficientes no futuro, assim como criar laços de relacionamento mais fortes e profundos.
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