
Vivemos numa sociedade em que muito poucas pessoas chegam à primeira relação sexual sem ter visto algum conteúdo pornográfico antes. Será que isso nos afeta?
A verdade é que, atualmente vivemos no mundo do entretenimento, onde cada vez mais são os estímulos que temos à nossa disposição e de fácil acesso. Todos os estímulos que vamos recebendo têm um efeito no nosso comportamento, daí ser necessário conhecermos o seu impacto e a melhor forma de responder.
A representação sexual teve sempre presente ao longo da história, inicialmente consumido na imprensa escrita, na fotografia, no cinema e vídeo, e mais tarde, também na internet que é hoje o principal meio de consumo de pornografia. Esta evolução tornou a pornografia mais acessível devido ao anonimato, poucas ou nenhumas barreiras de entrada, e o estar disponível gratuitamente.
Nesse sentido, o consumo de pornografia na internet tem aumentado e considera-se que 46-74% dos homens e 16-41% das mulheres sejam consumidores ativos de pornografia (Carroll, et al., 2008; Regnerus, Gordon, Price, 2016; Dwulit, Rzymski, 2019). O PornHub, um dos sites mais populares, relatou 42 biliões de visitas em 2019, sugerindo 115 milhões de visitas por dia (Pornhub, 2019). Com a pandemia da COVID19 também se verificou um aumento do consumo de pornografia (Zattoni, Gül, Soligo, Morlacco, Motterle, Collavino, Barneschi, Dal Moro, 2020).
Estes números podem não ser uma surpresa, e por si só não são problemáticos, mas o mais provável, é que esteja a ler isto porque conhece alguém, ou pessoalmente sente, que está a assistir a pornografia de maneira que considera preocupante. Talvez passe mais tempo a assistir, do que gostaria, talvez sinta dificuldades em atingir o clímax durante o sexo, talvez sinta que a sua parceira ou parceiro não o empolgam tanto quanto a pornografia, ou talvez tenha escalado para fetiches que considera perturbadores.
O aumento do consumo de pornografia pode ter um impacto negativo e prejudicial no cérebro, relacionado com a diminuição da atividade nas áreas do cérebro associadas à motivação e tomada de decisão, contribuindo para a diminuição do controlo de impulsos e aumentando a dessensibilização à recompensa sexual (Wilson, 2014; Kühn & Gallinat, 2014)
A pornografia também parece ter um impacto na saúde sexual dos mais jovens. Por exemplo, as taxas de disfunção erétil entre jovens estão a aumentar e parecem estar diretamente relacionadas ao uso frequente de pornografia. Muitas vezes, têm disfunção erétil quando estão com uma pessoa – mas não quando estão sozinhos a assistir a pornografia (Voon, Mole, Banca, Porter, Morris, Mitchell, Lapa, Karr, Harrison, Potenza, 2014; Park et al, 2016).
Também, o aumento do uso de pornografia tem sido associado à insatisfação psicossexual, maior insatisfação com o casamento (Wright, 2013), ser mais crítico do próprio corpo ou do seu parceiro, aumento da pressão de desempenho e menos relações sexuais (Albright, 2008).
O comportamento hipersexual também evidenciou uma maior comorbidade com perturbação de ansiedade, perturbação de humor, perturbação do uso de substâncias e disfunção sexual (Starcevic & Khazaal, 2017)
Por outro lado, o consumo de pornografia pode ser positivo, uma vez que pode aumentar a ativação sexual (Staley & Prouse, 2012) estimular a fantasia, bem como eliminar algumas crenças negativas em relação ao sexo (Baumel et al., 2019; Rissel et al., 2017; Brown, Durtschi, Carroll, Willoughby, 2017).
Apesar de não existir um consenso em relação à classificação do vício em pornografia como uma perturbação, sendo denominado pela Organização Mundial de Saúde como um comportamento sexual compulsivo, sabemos que este consumo ativa no nosso cérebro o sistema natural de recompensa, o mesmo sistema que é ativado noutras adições. Se considerarmos a pornografia a partir dessa perspetiva, podemos estar atentos aos sinais, sintomas e comportamentos reconhecidos, como aqueles listados na avaliação de adições.
São eles: o desejo e preocupação em obter, envolver-se ou recuperar-se do uso da substância ou comportamento; A perda de controlo no uso da substância ou no envolvimento no comportamento com frequência ou duração crescente, em maiores quantidades ou intensidade, ou no aumento do risco no uso e comportamento para obter o efeito desejado e consequências negativas nos domínios físico, social, ocupacional, financeiro ou psicológico.
Ou seja, esteja atento à intensidade, frequência e duração do seu comportamento, eles são fortes identificadores de possíveis problemas. Sobretudo, o impacto desses comportamentos no seu funcionamento diário e nas várias áreas da sua vida.
Se tiver dúvidas do impacto que a pornografia está a ter na sua vida, faça uma experiência – durante apenas 10 dias, dê ao cérebro um merecido descanso da pornografia e da excitação artificial e veja qual o impacto que isso tem em si.
Por outro lado, se sente que o seu comportamento já pode ser problemático e experiência alguns dos sintomas que foram acima mencionados, então é importante mudar o seu comportamento, e com o tempo, criar novos hábitos que irão se refletir em mudanças nas funções cerebrais.
Remova toda a pornografia
Elimine dos seus favoritos e do histórico do seu navegador todos os sites pornográficos. Saia também de todos os grupos de whatsapp que enviam esse tipo de conteúdo.
Mude o seu ambiente
Neste momento, o seu ambiente tem gatilhos que ativam esse desejo de consumir pornografia. Pessoas com adições são orientadas a evitar amigos, locais e atividades associadas ao consumo. Considere usar os seus dispositivos apenas em locais menos privados, que não associe ao uso de pornografia.
Considere um bloqueador de sites de pornografia e de anúncios
Até voltar a ter o seu autocontrolo total, os bloqueadores de sites e anúncios podem ser bastante úteis.
Procure ajuda especializada
Um psicólogo pode ajudá-lo a entender melhor a origem do seu comportamento e a fornecer ferramentas para ter mais autocontrolo e comportamentos mais saudáveis e ajustados.
Participar de um grupo de apoio, ou fórum sobre esta temática especifica também pode ajudar, uma vez que pode apoiar e ser apoiado por outros e gerar novas dicas para acelerar o progresso.
Se suspeita que o seu comportamento se está a tornar excessivo e está a prejudicar o seu desenvolvimento psicológico e afetivo, tendo consequências na sua vida pessoal, relacional e profissional é a altura de procurar ajuda, e começar a desenvolver uma melhor saúde sexual.