A pornografia tem-se tornado um tema cada vez mais presente no debate sobre a sexualidade contemporânea. Longe do seu significado etimológico original, relacionado com a representação da prostituição, ocupa hoje um papel significativo nas dinâmicas afetivas e sexuais dos casais.
Este artigo visa explorar os efeitos da pornografia nas relações conjugais, considerando tanto os seus potenciais benefícios quanto os desafios que pode suscitar.
No contexto dos casais heterossexuais normativos, a pornografia pode servir como ferramenta de psicoeducação sexual, usada para fomentar o diálogo, a cumplicidade e a exploração de novas formas de intimidade. Quando consumida em conjunto, pode enriquecer a experiência sexual do casal. No entanto, o consumo solitário e compulsivo pode gerar insatisfação, sentimentos de inadequação e conflito, sobretudo quando cria expectativas irrealistas que contrastam com a realidade da relação.
Embora os estudos sobre o impacto da pornografia em casais LGBTQI+ ainda sejam recentes, são reconhecidas formas distintas de consumir pornografia e opiniões diversas sobre o seu papel na relação. Não obstante, é essencial que mais pesquisas sejam feitas.
Antes de passarmos aos relacionamentos convém explorar as consequências psicológicas e sexuais que a pornografia provoca individualmente.
Predominantemente consumida por homens, a pornografia reflete e reforça normas socioculturais de género, frequentemente retratando uma masculinidade dominante e uma mulher objetificada. Tais representações contribuem para uma visão distorcida da sexualidade, afetando a satisfação conjugal e a vivência do prazer no feminino. Este fenómeno pode levar a que os mais jovens consumidores aprendam ideias de sexo misóginas, nada realistas e respeitadoras das mulheres.
A exposição frequente à pornografia tem sido associada a disfunções sexuais, tais como, a redução do desejo e da satisfação sexual, mas também, o aumento da disfunção erétil, especialmente entre os jovens. O consumo excessivo pode alterar a perceção do corpo e da identidade sexual, gerar sentimentos de vergonha, influenciar negativamente a autoestima e dificultar vínculos afetivos.
Nos relacionamentos onde essas expectativas não são atendidas, o relacionamento pode sofrer.
“A satisfação sexual será menor quando qualquer um dos parceiros usa pornografia, uma vez que o nível real de recompensas sexuais no casamento pode não se comparar favoravelmente ao nível esperado de recompensas sexuais obtidas por meio de imagens pornográficas.” 1
Por não corresponder às expectativas dos parceiros, muitas mulheres sentem-se mal, tendendo a existir, segundo os estudos realizados, uma causa reversa com a infelicidade conjugal.
A insatisfação sexual feminina está frequentemente ligada à dificuldade em comunicar desejos e necessidades, muitas vezes por medo de rejeição e julgamento, o que leva à simulação do prazer. Essa dinâmica pode afetar negativamente a autoestima da mulher, reduzir o desejo sexual e comprometer a satisfação conjugal.
Estudos apontam uma relação recíproca entre essa insatisfação e a infelicidade no relacionamento. Apesar das discussões em torno do consumo de pornografia não há consenso sobre o seu impacto direto nesse contexto. Nem todo o uso indica dependência.
Intimidade, Desejo e Satisfação Conjugal
Vamos então tentar perceber: o que sustenta o desejo e porquê é tão difícil por vezes mantê-lo dentro de uma relação?
É no coração da manutenção do desejo numa relação de compromisso que está a reconciliação de duas necessidades humanas fundamentais:
Por um lado, a necessidade de segurança, de previsibilidade, de estabilidade, de dependência, de confiança…todas estas experiências que nos ancoram e nos alicerçam.
Por outro, todos nós homens e mulheres também temos necessidade de aventura, de novidade, de mistério, de risco, de perigo, do desconhecido, do inesperado, do surpreendente…como costumo dizer em consulta “que nos põe a caldeira a trabalhar”.
Reconciliar as nossas necessidades de estabilidade com as nossas necessidades de aventura no relacionamento ou aquilo a que chamamos de casamento apaixonado costuma ser uma contradição de termos.
É ela que transforma o ato sexual em erotismo, uma expressão poética e criativa. O erotismo é uma forma de inteligência cultivada, que envolve imaginação, curiosidade, mistério, novidade e diversão. Revela uma tensão fundamental entre amor e desejo. No amor, buscamos proximidade, segurança e intimidade — queremos conhecer profundamente o outro e eliminar distâncias.
Já o desejo exige espaço, mistério e autonomia. Este alimenta-se do desconhecido e da diversidade. Para que o desejo persista dentro da familiaridade do amor, é preciso manter uma distância simbólica, onde o outro possa ser visto como autônomo, confiante e enigmático. Assim como o fogo precisa de ar, o desejo precisa de espaço. É nesse espaço entre o outro e eu que reside o desejo erótico.
Sexo não é algo que se faz. Sexo é um lugar onde se vai.
É um espaço em que eu entro dentro de mim mesmo e com o outro.
Não é apenas um comportamento, mas também uma linguagem.
Superação e Caminhos Possíveis
Superar os impactos negativos do uso da pornografia exige motivação interna, reflexão pessoal e comunicação empática com o parceiro. O acompanhamento terapêutico pode ser decisivo para restabelecer a intimidade e reconstruir relações afetivas.
Entender a sexualidade como um espaço de experiência compartilhada, e não apenas como um ato, é essencial para promover relações mais saudáveis e satisfatórias.
A chave está na consciência, no diálogo e no respeito mútuo dentro das relações. O desafio é olhar para a sexualidade com novos olhos, cultivando a intimidade, o erotismo e a autenticidade.
Referências Bibliográficas:
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